Pesquisadores da Unicamp criaram um mundo virtual no qual as criaturas são autônomas, sem nenhum controle humano, devendo aprender como conviver com as demais.
O mundo virtual está sendo utilizado em pesquisas de neurociências, sobretudo sobre as chamadas memórias episódicas, aquelas que contêm nossa história de vida.
Mas as aplicações vão muito além, podendo servir para qualquer sistema computadorizado que precise ser capaz de lidar com uma quantidade muito grande de informações, da administração de empresas ao controle de trânsito.
Criaturas virtuais
Inicialmente, uma criatura é inserida no ambiente virtual e começa a explorar o novo mundo desconhecido.
Uma vez lá dentro, as criaturas são autônomas, ou seja, nenhum humano a controla. Elas devem agir de acordo com o que conseguiram aprender ao longo da convivência com outras criaturas virtuais semelhantes a ela.
Cada criatura deve executar tarefas predeterminadas, como coletar alimentos, encontrar e recolher objetos coloridos e competir com outras criaturas que também terão que fazer esses trabalhos e tentarão enganá-la, escondendo a comida e os objetos que possam-lhe interessar.
Para que seja bem-sucedida, a criatura virtual conta com recursos que tentam simular os sistemas cognitivos de animais e de seres humanos. Como em muitas situações comuns na vida real, será preciso recolher informações a respeito de um ambiente desconhecido (fazer uma codificação), guardá-las de um modo eficiente (armazenamento) e depois acessá-las quando forem necessárias (recuperação).
Memória episódica
Esse mundo eletrônico, embora possa lembrar os jogos e outros entretenimentos, foi projetado para estudar e aplicar um tipo de memória que ainda é pouco explorada pela ciência, a memória episódica.
"É a memória de nossa história pessoal que se baseia naquilo que fizemos e nas coisas que testemunhamos", explicou o coordenador da pesquisa, Ricardo Ribeiro Gudwin, professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e Ciência da Computação da Unicamp.
Para desenvolver essa memória, o grupo de pesquisadores elaborou regras que devem ser seguidas para todas as criaturas do ambiente virtual: evitar paredes e outros obstáculos, coletar alimentos, que podem ser ou não perecíveis, recolher determinados objetos do cenário e tentar prever o que os demais atores do jogo farão e tentar atrapalhá-los. "Essa última função está ligada à teoria da mente, que envolve tentar saber o que o outro pensa", afirma Gudwin.
A experiência também procura reproduzir algumas complexidades e técnicas usadas por humanos para relembrar episódios. De acordo com o pesquisador da Unicamp, não há espaço para absorver todas as informações com as quais se tem contato, por isso, na hora de registrar algo, é preciso utilizar filtros que eliminem dados menos importantes e lançar mão de estratégias para economizar memória, como manter em um arquivo único memórias muito parecidas.
As criaturas também tentam reproduzir habilidades mais difíceis, como conseguir estabelecer conexões entre causas e efeitos que estão bastante separados no tempo. São as chamadas "consequências tardias", ou a associação de uma reação ocorrida no presente à ação que a causou, mas que se passou há dias, meses ou anos.
Aplicações reais do mundo virtual
Fazer o sistema aprender e desenvolver a própria memória em vez de carregar dados prontos pode abrir portas para novas aplicações em computação nas quais o volume de dados ainda é uma barreira.
"Quando o ambiente é muito extenso, não há como colocar todos os dados nem fazer uma programação de trajetória, por isso é importante que o sistema descubra sozinho essas informações", disse Gudwin.
Isso se aplica, por exemplo, a sistemas de monitoramento de tráfego. Em vez de dar entrada com os dados de toda uma malha viária, um sistema dotado de memória episódica poderia identificar pontos de gargalo e tomar decisões prioritárias a fim de manter o fluxo de veículos.
De acordo com Gudwin, a administração de empresas também ficaria mais eficiente com sistemas descobrindo sozinhos problemas que seriam difíceis de serem detectados em uma grande companhia. E os fãs de jogos eletrônicos poderiam contar com oponentes virtuais "inteligentes", capazes de aprender sobre as fraquezas do rival e evoluir como se fossem de carne e osso.
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