O novo filme do cineasta italiano Paolo Sorrentino, "Aqui é o Meu Lugar", busca como título original uma música de David Byrne, "This must be the place" ("Esse deve ser o lugar", numa tradução livre). Não é apenas porque o cantor e compositor faz uma ponta no longa, ao lado do protagonista Sean Penn - mas porque essa frase tem muito a ver com a trajetória do personagem, Cheyenne, um roqueiro aposentado, entediado e exilado em Dublin.
Pode ser mero acaso, mas o fato de situar a primeira parte da trama em Dublin estabelece um diálogo do filme com a literatura irlandesa que, em boa parte, está assentada sobre o tripé família, exílio e religião. Esses mesmos temas assombram Cheyenne que, refugiado na Irlanda, nega suas origens judaicas. Porém, essa história pessoal voltará à tona quando for a Nova York se despedir do pai, que está morrendo.
O auto-exílio é deixado para trás quando Cheyenne reúne coragem para voltar aos Estados Unidos. Sua mulher, a bombeira Jane (Frances McDormand), e sua fã, a garota Mary (Eve Hewson), ficam na Irlanda, na esperança de que ele volte. Há um problema não resolvido entre o cantor, a mãe da menina (Olwen Fouéré) e o filho desta, que os abandonou. Novamente, laços de família despedaçados.
O trajeto de Cheyenne, de um continente a outro, de uma cidade a outra, transforma "Aqui é o Meu Lugar" num road movie. Com o deslocamento, criam-se "não-lugares", o cantor nunca pertence ao local em que está, permanece sempre em trânsito - sua morada se torna os quartos de hotéis, nas estradas que cruzam os EUA. Com a voz insegura, e seu excesso de pó branco no rosto, batom vermelho, unhas pintadas e cabeleira negra desgrenhada, o cantor parece se esconder na infância. Penn se transfigura enquanto Cheyenne. Não apenas no visual - que muito remete aos anos de 1980 - mas na atitude, na voz contida, quase como a de uma criança, fininha que vem lá do fundo e parece esconder mais feridas do que devia.
Sua viagem é o rito tardio de passagem para a vida adulta. Aliás, um diálogo com a mãe de Mary evidencia isso. O cantor comenta que, de todos os vícios que teve, nunca se interessou por fumar. Ao que ela responde: "Você nunca fumou porque continua uma criança. Só as crianças não têm vontade de fumar". Como a reconciliação real com o pai se torna impossível, o amadurecimento do cantor se dá quando ele assume a função do pai, perseguindo o oficial nazista responsável por levá-lo para Auschwitz.
Num filme sobre um músico, a trilha sonora, é claro, tem um lugar especial. Embora Penn nunca cante, uma apresentação de David Byrne interpretando "This must be the place" é mais cinematográfica do que muitos filmes inteiros. Este, aliás, é o primeiro filme de Sorrentino a estrear comercialmente no Brasil. Antes, o cineasta realizou "Il Divo" e "O Amigo da Família" (exibido aqui em festivais), e, ao lado de nomes como Emanuele Crialese ("Novo Mundo") e Matteo Garrone ("Gomorra") forma a nova geração que está injetando um fôlego novo para o cinema italiano.
Há um contraste grande entre a cinzenta Dublin e uma Nova York que brilha num colorido pastel. Mas também haverá uma grande diferença entre esta cidade e o escaldante deserto do Novo México, saturado em cores quentes. Assim como, mais tarde, uma região coberta de neve, gélida e quase monocromática, servirá de palco para o clímax do filme.
Apesar de entrar num assunto sério e pesado como o Holocausto, Sorrentino nunca se rende a lágrimas baratas, emoções superficiais ou lições de moral. Cheyenne é uma figura que convida ao humor - mas a sua melancolia causa o estranhamento e se torna a sua arma para nos conquistar, enquanto personagem.
O amadurecimento de Cheyenne é um processo tardio e lento, mas acontece de forma gradual. Como costuma acontecer, também é doloroso, mas cada pequena vitória representa um grande passo. O que faz lembrar, para continuar com a cultura irlandesa, uma frase do escritor Samuel Beckett que bem podia se aplicar ao personagem de Penn: "Não importa. Tente novamente. Fracasse novamente. Fracasse melhor". (Alysson Oliveira, do Cineweb)
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